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Não sou algoritmo, sou carne

  • Foto do escritor: Anne Catadora
    Anne Catadora
  • há 8 horas
  • 4 min de leitura
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Eu saí do Instagram. Não fiz anúncio solene, não busquei tapinhas digitais nas costas, não esperei que um comitê de seguidores viesse me abençoar. Apenas levantei e fui embora. Como quem fecha a porta de um apartamento apertado e finalmente respira no corredor. Saí porque havia chegado o ponto em que tudo ali parecia uma vitrine de gente tentando se convencer de que vive. Eu não quero viver tentando me convencer de nada. Quero viver de fato.


E talvez isso soe estranho num tempo em que as pessoas acreditam que felicidade é acumulada em pastas de stories salvos. Mas eu, que já vi a vida sem maquiagem, que já atravessei noites que não acabam, que já toquei o chão com a cara, aprendi que nada disso faz sentido quando o coração pede silêncio e profundidade. O Instagram virou um shopping emocional onde todo mundo exibe aquilo que não sente. Um teatro de urgências inventadas, um manicômio silencioso de vozes que disputam atenção como mendigos disputam restos de pão.


Eu percebi que estava sendo engolida por essa pressa patológica do presente. Essa correria histérica para opinar, responder, postar, reagir, existir num feed como se o feed fosse o espelho da alma. A alma não cabe em feed nenhum. A alma é o avesso. E o avesso não dá ibope.


Por isso saí. Não devo explicação. A vida real não pede justificativa. Ela simplesmente acontece. E eu, que gosto de escrever desde que descobri que a palavra é o único lugar onde a dor se organiza, decidi me recolher ao que sempre foi meu. A leitura. A escrita. Os livros que finalmente estão sendo paridos depois de anos me chamando. Os cadernos cheios de ideias que ninguém vê. Eu precisava voltar para isso. Para o silêncio fértil da criação. Para a lentidão que cura. Para o pensamento que não cabe em legendas curtas.


Estou escrevendo dois livros. Dois mundos inteiros. Dois bichos selvagens me mordendo a nuca, pedindo que eu os termine antes que evaporarem. E enquanto escrevo, eu lembro que a vida é mais bonita quando não está sendo testemunhada por milhares de olhos apressados. Ela é mais honesta quando ninguém tenta transformá la em conteúdo. Eu quero ser honesta. Nem sempre bonita. Nem sempre forte. Nem sempre certa. Apenas honesta.


E, ironicamente, nesse meio tempo, descobri um amor improvável. A massa artesanal. A massa que nasce quando a farinha encontra o ovo e, de repente, tudo faz sentido. A massa que exige força, paciência, entrega, humildade. A massa que pede silêncio porque não suporta violência. A massa que precisa de descanso para ficar boa. E eu, talvez pela primeira vez em anos, me vi descansando junto com ela. Me vi inteira. Me vi viva. Me vi curada de um jeito que nenhuma rede social poderia me curar.


Há uma sabedoria secreta em amassar. Em tocar a própria condição humana ali, no gesto simples de transformar pó em alimento. Eu descobri que o mundo dentro da massa é mais verdadeiro do que o mundo dentro do celular. E talvez seja essa minha nova religião particular. Um tipo de misticismo doméstico que me devolve a sensação de que tudo pode recomeçar. Que a vida ainda é possível apesar de todas as barbaridades.


Por isso resolvi trazer tudo para cá. Para o meu blog. Para este lugar que não exige pressa nem espetáculo. Aqui eu posso escrever devagar. Pensar com cuidado. Escolher cada frase como quem escolhe tomates maduros na feira. Aqui eu posso existir sem estar em oferta. Sem estar à venda. Sem ser obrigada a parecer mais leve do que sou.


Aqui, finalmente, encontro a minha humanidade desarrumada e a minha alegria torta.


Não quero competir com o algoritmo. Não quero agradar máquinas. Não quero negociar minha lucidez para ganhar likes. O Instagram virou um tipo de cassino emocional onde todo mundo perde mesmo quando acha que ganhou. E eu não estou mais disposta a jogar. Eu viro as costas. Vou embora.


Alegremente. Deliberadamente. Com gosto. Sem culpa.


Quem quiser me encontrar, vai me encontrar aqui. Neste canto discreto da internet onde a palavra ainda é palavra e não produto embalado. Aqui onde a vida respira em parágrafos. Onde eu posso ser adulta. Onde posso ser falha. Onde posso ser verdadeira. Onde posso ser ridícula. Onde posso ser brilhante. Onde posso ser apenas eu.


Eu sigo escrevendo. Sigo lendo. Sigo cozinhando. Sigo vivendo essa nova fase em que finalmente me permito ficar fora do palco. Sigo fazendo as pazes com o silêncio e com o tempo. Sigo tocando a massa como quem toca a vida. Sigo escrevendo os livros que me esperam há anos. Sigo tentando existir sem pressa, sem vitrines, sem filtros, sem performances.


A porta do Instagram está trancada. A do blog está aberta. Entre se quiser. Aqui não tem barulho. Aqui não tem disputa. Aqui só tem uma mulher que decidiu sobreviver com delicadeza. E a delicadeza, ao contrário do que dizem os apressados, é uma forma radical de resistência.

 
 
 

12 comentários


novasantoestevaoserralheria
há 20 minutos

Tudo tem tempo , prazo e nós seres humanos devemos respeitar. Muita cobranças chega momento quê estamos no automático a mercê tecnológia, perdendo essencia da vida , do belo ,do amor e do próximo.

Faça o que seu coração está pedindo ,respire e vá.

Por enquanto temos o direito recalcular a rota e fazer novos caminhos, Deus abençoe e proteja vocês sempre.


PS: FAZ 2 MESES QUE NÃO TENHO WHATSAPP, E APP DIGITAIS ENTRO QUANDO EU QUERO ME FEZ MELHOR DESCONECTAR.


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maria francisca oliveira
maria francisca oliveira
há 36 minutos

A escrita de um livro exige muito, o que se torna incompatível com a pressa das redes sociais. Você está certa em seguir um outro caminho. Te desejo boa sorte nessa nova trilha.

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lmaiapeixe
há 3 horas

é isso aí Anne, faça as suas próprias escolhas , essa é a sua maior liberdade . Escreva, Leia, maturi-se, cuide-se ... e escreva seus livros. Estaremos esperando . Que o universo te guie.

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Dr Hause
Dr Hause
há 4 horas

Oiie

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vsbrandao08
há 5 horas

Vc é muito talentosa com as palavras! Fico aqui na torcida pra que tudo dê certo pra vc e pra sua família! Um abraço! ❤️

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